Estudando O Livro dos Espíritos (22)

Francisco Muniz


Capítulo VIII (Segunda Parte) - Emancipação da alma

1 - O sono e os sonhos

2 - Visitas espíritas entre  vivos

3 - Transmissão oculta do pensamento

4 - Letargia, catalepsia, mortes aparentes

5 - Sonambulismo

6 - Êxtase

7 - Dupla vista



1 
O Espírito encarnado não permanece de bom grado em seu envoltório corporal. Seria como se perguntássemos se o prisioneiro gosta da prisão. Ele aspira incessantemente à libertação; quanto mais grosseiro é seu envoltório, tanto mais deseja ver-se livre dele. Durante o sono a alma não repousa como o corpo, pois o Espírito jamais está inativo, Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, então, não rpecisando o corpo de sua presença, o Espírito se lança no espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos. Podemos julgar da liberdade do Espírito durante o sono pelos sonhos (...). O sono liberta parcialmente a alma do corpo. Quando dorme, o homem se acha momentaneamente no estado em que ficará de forma definitiva depois da morte. Os Espíritos que, ao desencarnarem, logo se desligam da matéria, tiveram sonhos inteligentes; quando dormem, vão para junto dos seres que lhes são superiores: viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham mesmo em obras que encontrarão prontas ao morrerem. Isto nos deve ensinar, uma vez mais, que não devemos temer a morte, já que morremos todos os dias, segundo a expressão de um santo (...).

O sonho é a lembrança do que nosso Espírito viu dirante o sono. Notemos, porém, que nem sempre sonhamos, porque nem sempre nos lembramos do que vimos ou de tudo que ouvimos. É que não temos a alma no pleno desenvolvimento de suas faculdades (...). Brevemente veremos se desenvolver outra espécie de sonho, tão antiga quanto a que conehcemos, mas que ignoramos: o sonhod e Joana, o sonho de João, o sonho dos profetas judeus e de alguns adivinhos indianos. Esse sonho é a lembrança da alma inteiramente liberta do corpo, a lembrança dessa segunda vida de que os Espíritos nos falavam. Procuremos distinguir bem essas duas espécies de sonhos, entre aqueles de que nos lembramos; sem isso, cairíamos em contradições e em erros que seriam funestos à nossa fé.

O que chamamos de sono é apenas o repouso do corpo, pois o Espírito está sempre em atividde. No sono, o Espírito recobra um pouco de sua liberdade e se corresponde com os que lhe são caros, quer neste mundo quer em outros. Mas, como o corpo é matéria pesada e grosseira, dificilmente conserva as impressões que o Espírito recebeu, já que tais impressões não chegaram ao Espírito por meio dos órgãos corporais - por isso é que nem sempre lembramos dos sonhos. Eles não são verdadeiros como o entendem certos adivinhos, de modo que é absurdo acreditar-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra. São verdadeiros no sentido de apresentarem imagens reais para o Espírito, mas que, frequentemente, não guardam nenhuma relação com o que se passa na vida corporal. São também, como já foi dito, uma recordação; finalmente, podem ser um pressentimento do futuro, permitido por Deus, ou a visão do que ocorre nesse momento em outro lugar pra onde a alma se transporta.

Não temos inúmeros exemplos de pessoas que aparecem em sonho a parentes e amigos, a fim de avisá-los do que a elas está acontecendo? Que são essas aparições, senão as almas ou os Espíritos dessas pessoas que vêm comunicar-se com os nossos? Quando temos certeza de que aquilo que vimos realmente aconteceu, não fica provado que a imaginação nada teve a ver com a ocorrência, sobretudo se o que observamos não passava por nossa mente quando em vigília? Muitas vezes vemos em sonho coisas que parecem pressentimentos e que não se cumprem. É que podem cumprir-se apenas pra o Espírito, ou seja, o Espírito viu aquilo que desejava e foi buscá-lo. Convém não esquecer que, durante o sono, a alma está mais ou menos sob a influência da matéria e que, por conseguinte, nunca se liberta completamente das ideias terrenas. O resultado disso é que as preocupações da vigília podem dar ao que se vê a aparência do quie se deseja ou do que se teme. É a isto que se pode chamr, realmente, de efeito da imaginação.

Quando uma ideia nos preocupa fortemente, a ela ligamos tudo o que vemos. Quando vemos em sonho pessoas que conhecemos perfeitamente praticando atos de que não cogitam absolutamente, isso não é puro efeito da imaginação, porquanto não sabemos se tais pessoas absolutamente não cogitam daquelas práticas. Esses Espíritos vêm nos visitar, como nós podemos visitá-los, mesmo encarnados, e nem sempre sabemos aquilo em que pensam. Além disso, muitas vezes atribuímos, de acordo com o que desejamos, a pessoas conehcidas, o que se passou ou se passa em outras existências. Não é necessário o sono completo para a emancipação do Espírito, que recobra sua liberdade quando os sentidos se entorpecem. Para se emancipar, ele se aproveita de todos os instantes de repouso que o corpo lhe oferece. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende; quanto mais fraco o corpo, mais livre se torna o Espírito. 

A razão pela qual algumas vezes temos a impressão de ouvir em nós mesmos palavras pronunciadas distintamente e que não guardam nenhuma relação com o que nos preocupa é, por vezes, o fraco eco de um Espírito que deseja comunicar-se conosco. Estando entorpecido o corpo, o Espírito procura quebrar sua cadeia, transporta-se e vê, frquentemente, num estado que ainda não é de sonolência, quando temos os olhos fechados, imagens distintas e figuras das quais apanhamos os mais minuciosos detalhes. Se já fosse completo o sono, isso seria um sonho. Algumas vezes, durante o sono ou quando nos achamos ligeiramente adormecidos, temos ideias que parecem muito boas e que, a despeito dos esforços que fazemos para nos lembrarmoss delas, apagam-se de nossa memória. Essas ideias são o resultado da liberdade do Espírito que se emancipa e goza de mais faculdades nesse momento. Frequentemente, também, são conselhos dados por outros Espíritos. E ainda que não os possamos aproveitar, esses conselhos e ideias dizem mais respeito ao mundo dos Espíritos do que ao mundo corporal. Contudo, se na maioria das vezes o corpo esquece, o Espírito lembra, voltando-lhe  ideia na ocasião oportuna como inspiração de momento. 

O Espírito encarnado, nos momentos em que está livre da matéria e atuando como Espírito, muitas vezes pressente qual será a época de sua morte. Algumas vezes tem mplena consciência dessa época, o que lhe dá, no estado de vigília, sua intuição. É por isso que certas pessoas preveem a própria morte com grande exatidão. A atividade do Espírito pode fatigar o corpo durante o repouso ou o sono corporal, porque o Espírito se acha preso ao corpo qual balão cativo ao poste. Ora, da mesma forma que as sacudidelas do balão abalam o posto, a atividade do Espírito reage sobre o corpo e pode fatigá-lo.

Do princípio da emancipação da alma durante o sono, poderia parecer que temos duas existências simultâneas: a do corpo, que nos dá a vida de relação exterior, e a da alma, que nnos dá a vida de relação oculta, mas isto não é exato. No estado de emancipação, a vida do corpo cede lugar à vida da alma. Mas, a bem dizer, não são duas existências. São, na verdade, duas fases da mesma existência, porque o homem não vive duplamente. E é claro que duas pessoas que se conhecem podem visitar-se durante o sono, assim como muitas outras que julgam não se conhecerem reúnem-se e conversam. Podemos ter, sem que o suspeitemos, amigos em outro país. O fato de irmos ver, durante o sono, amigos, parentes, conhecidos e pessoas que nos podem ser úteis é tão frequente que quase todas as noites fazemos essas visitas. Têm utilidade essas visitas noturnas, ainda que não nos lembremos delas, porque em geral guardamos a intuição delas ao despertarmos. Muitas vezes essa intuição é a fonte de certas ideias que nos surgem espontaneamente, sem que possamos explicá-las, e que são exatamente as que adquirimos nessas conversas.

A vontade do homem é impotente para provocar as visitas espíritas. Eis o que se passa. Quando o homem adormece, seu Espírito desperta e, na maioria das vezes, o que o homem havia decidido o Espírito está bem longe de seguir, pois a vida do homem pouco interessa a seu Espírito, uma vez desprendido da matéria. Isto com relação a homens já bastante elevados; os outros passam de modo muito diverso a fase espiritual de sua existência. Entregam-se às suas paixões ou se mantêm inativos. Pode, pois, acontecer, conforme os motivos que a isso o induzem, que o Espírito vá visitar aqueles com quem deseja encontrar-se; mas o fato de tê-lo desejado não é razão para que o faça. Emancipados parcialmente, os Espíritos encarnados podem reunir-se em certo número e, assim, formar assembleias. Os laços de amizade, antigos ou recentes, reúnem frequentemente diversos Espíritosm que se sentem felizes de estar juntos.

Uma pessoa que julgasse morto um de seus amigos, que na verdade não o estava, poderá encontrar-se com ele em Espírito e, assim, saber que está vivo, tendo a intuição do fato ao despertar. Como Espírito, essa pessoa pode ver seu amigo e conhecer sua sorte. Se não lhe houver sido imposto como prova acreditar na morte desse amigo, poderá ter um pressentimento de sua existência, como poderá ter o de sua morte.

3
Durante o sono os Espíritos se comunicam entre si e esta éa razão pela qual a mesma ideia, a de uma descoberta, por exemplo, surge ao mesmo tempo em vários pontos. Quando o corpo desperta, o Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ter inventado. Assim muitos podem descobrir a mesma coisa ao mesmo tempo. Quando dizemos que uma ideia está noa r, fazemos  uso de uma figura de linguagem mais exata do que supomos. Cada um contribui, sem o suspeitar, para propagá-la. Porque o Espírito não se acha encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Por isso, pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, embora o faça mais dificilmente. Explica-se que duas pessoas, perfeitamente acordadas, tenham instataneamente a mesma ideia, pelo fato de serem dois Espíritos simpáticos que se comunicam e vêem reciprocamente seus pensamentos, mesmo quando o corpo não está dormindo.

4
Geralmente, os letárgicos e os catalépticos vêem e ouvem o que passa em volta deles, mas não podem manifestá-lo. No entanto, não é pelos olhos e ouvidos do corpo que têm essas percepções, é pelo Espírito. O Espírito tem consciência de si, mas não pode comunicar-se, porque o estado do corpo a isso se opõe. Esse estado particular dos órgãos nos dá a prova de que no homem existe alguma coisa além do corpo, porquanto, embora o corpo já não funcione, o Espírito continua a agir. Na letargia, o corpo não está morto, pois há funcões que continuam a realizar-se. Sua vitalidade se encontra em estado latente, como na crisálida, mas não se aniquila. Ora, o Espírito está unido ao corpo enquanto este vive. Uma vez rompidos os laços pela morte real e pela desagregação dos órgãos, a separação é completa e o Espírito não volta mais. 

Quando um homem aparentemente morto volta à vida, é que a morte não se havia completado. Mas por meio de cuidados dispensados a tempo podem retar-se laços prestes a se romperem, restituindo à vida um ser que, por falta de socorro, morreria inapelavelmente. Sem dúvida, todos os dias temos prova disso. Muitas vezes, em tais casos, o magnetismo constitui poderoso meio de ação, porque restitui ao corpo o fluido vital que lhe falta e que era insuficiente para manter o funcionamento dos órgãos.

5
O sonambulismo natural é um esrtado de independência da alma, mais completo que no sonho, estado em que suas faculdades ficam mais desenvolvidas. A alma tem percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito - assim se explica a relação entre esses dois estados. Além disso, no sobambulismo o Espírito está na posse plena de si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, não mais recebem as impressões exteriores. Esse estado se manifesta principalmente durante o sono; é o momento em que o Espírito pode abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável à matéria. Quando se produzem os fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com uma coisa ou outra, entrega-se a uma ação qualquer que necessita do uso de seu corpo, do qual ele entãos e serve, como se serve de uma mesa ou de outro objeto material no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo de nossa mão no caso das comunicações escritas.

Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos, inclusive os da memória, começam a despertar. Recebem imperfeitamente as impressões produzidas por objetos ou causas externas e as comunicam ao Espírito que, então, também em repouso, só capta sensações confusas e quase sempre incoerentes, sem nenhuma aparente razão de ser, mescladas de vagas lembranças, quer da existência atual, quer das anteriores. Facilmente, portanto, se compreende por que os sonâmbulos não se recordam do que se passou no estado de sonambulismo e por que os sonhos, cuja lembrança conservam, na maiora das vezes já não têm nenhum sentido. Dizemos na maioria das vezes, porque também acontece serem eles a consequência de lembrança precisa de acontecimentos de uma vida anterior e, por vezes, até mesmo de uma espécie de intuição do futuro. 

A relação entre o chamado sonambulismo magnético e o sonambulismo natural está no fato de ser o primeiro provocado, pois são a mesma coisa. A natureza do gente chamado fluido magnético é de fluido vital, eletricidade, etc., que são modificações do fluido universal. Na clarividência sonambúlica é, como já se disse, a alma que vê. O sonâmbulo pode ver través de corpos opacos porque estes só existem para nossos órgãos grosseiros. Já não foi dito que, para o Espírito, a matéria não oferece obstáculo, pois quye ele a atravessa livremente? Com frequeência ele nos diz que vê pela fronte, pelo joelho, etc., porque nós, inteiramente mergulhados na matéria, não compreendemos que ele possa ver sem o auxílio dos órgãos.

Ele mesmo, pelo desejo que manifestamos, julga precisaar de tais órgãos; mas, se o deixássemos livre3, compreenderia que vê por todas as partes de seu corpo, ou, melhor dizendo, que vê de fora de seu corpo. Ainda que a clarividência do sonâmbulo seja de sua alma ou de seu Espírito, ele não vê tudo e tantas vezes se engana porque, primeiro, não é permitido aos Espíritos imperfeitos verem tudo e tudo conhecerem. Sabemos perfeitamente que eles ainda partilham de nossos erros e preconceitos. E, depois, quando estão presos à matéria, não gozam de todas as suas faculdades de Espírito. Deus deu ao homem a faculdade sonambúlica com um fim útil e sério, e não para lhe ensinar o que não deve saber. Eis por que os sonâmbulos nem tudo podem dizer.

Entretanto, acontece que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do que supomos e essa é a origem das ideias inatas que ele manifesta e assim pode falar com exatidão de coisas que ignora no estado de vigília, inclusive das que estão acima de sua capacidade intelectual. Esses conhecimentos apenas estão adormecidos, porque seu envoltório é imperfeito demais para que possa lembrar-se deles. Que é, afinal, um sonâmbulo? Espírito como nós, encarnado na matéria para cumprir sua missão, e o estado em que se entra o desperta dessa letargia. Já foi dito repetidamente que revivemos muitas vezes; é essa mudança que o faz perder materialmente o que conseguiu aprender na existência precedente. Entrando no estado a que chamamos "crise", ele se lembra, mas nem sempre de maneira completa; sabe , mas não poderia dizer de onde lhe vem o que sabe, nem como possui esses conhecimentos. Passada a crise, toda lembrança se apaga e ele volta à obscuridade.

A visão a distância em alguns sonâmbulos se explica pelo fato de a alma se transportar durante o sono. É a mesma coisa no sonambulismo. O desenvolvimento maior ou menor da clarividência sonambúlica depende tanto da organização f´sisica quanto da natureza do Espírito encarnado. Há disposições físicas que permitem ao Espírito libertar-se mais ou menos facilmente da matéria. As faculddes de que o sonâmbulo desfruta são, até certo ponto, as mesmas que tem o Espírito depois da morte, pois é preciso levar em conta a influência da matéria à qual o Espírito do sonâmbulo ainda se acha ligado. A maioria deles vê outros Espíritos muito bem, dependendo do grau e da natureza da lucidez de cada um. No entanto, algumas vezes eles não se dão conta disso, no primeiro momento, e os tomam por seres corporais. Isto acontece principalmente aos que não têm nenhum conhecimento do Espiritismo; ainda não compreendem a essência do Espírito, ficam espantados e por isso acreditam estar vendo pessoas vivas.

É um contrassenso se perguntar se o sonâmbulo que vê a distância o fas do lugar onde está seu corpo ou daquele em que está sua alma, já que é a alma quem vê e não o corpo. Considerando-se que é a alma que se transporta, o sonâmbulo pode experimentar no corpo as sensações do frio e do calor existentes no lugar onde se encontra sua alma, algumas vezes bem distante daquele em que está seu corpo porque a alama não o deixou inteiramente; ela está sempre ligada ao corpo por um laço, que é o condutor das sensações. Quando duas pessoas se correspondem por meio da eletricidade, o laço que liga seus pensamentos é a eletricidade. Por isso elas se comunicam como se estivessem uma ao lado da outra. E o uso que um sonâmbulo faz de sua faculdade influi no estado de seu Espírito depois da morte, como o uso bom ou mau de todas as faculdades que Deus concedeu ao homem.

6
A diferença entre o êxtase e o sonambulismo é que o primeiro é um sonambulismo mais apurado. A alma do extático é ainda mais independente. O Espírito do extático realmente penetra nos mundos superiores; ele os vê e compreende a felicidade dos que os habitam, razão por que gostariam de neles permanecer. Mas há mundos inacessíveis aos Espírito que ainda não estão bastante purificados. Mesmo que o extático exprima o desejo de deixar a Terra, a despeito do instinto de conservação que o retém aqui, isso depende do grau de purificação do Espírito. Se vê sua posição futura melhor que a da vida presente, esforça-se por romper os laços que o prendem à Terra. Se o extático fosse abandonado a si mesmo, sua alma poderia abandonar definitivamenteo corpo e ele poderia morrer. Por isso é preciso chamá-lo por meio de tudo que o possa prender a este mundo, sobretudo fazendo-lhe compreender que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria mais feliz, consistiria em partir a cadeia que o retém ao planeta Terra.

Há coisas que o extático pensa ver, mas que, evidentemente, resultam de uma imaginação abalada pelas crenças e preconceitos terrenos, de modo que nem tudo o que ele vê é real, ainda que seja real para ele apenas; contudo, como seu Espírito está sempre sob a influência das ideias terrenas, pode ver à sua maneira, ou, melhor dizendo, pode exprimir o que viu numa linguagem condizente com seus preconceitos e as ideias em que foi criado, ou com nossos preconceitos, a fim de ser mais bem compreendido. É sobretudo nesse sentido que ele pode errar. O extático pode enganar-se com muita frequência, principalmente quando quer penetrar naquilo que deve continuar a ser mistério para o homem, porque, então, se deixa levar por suas próprias ideias, ou se torna joguete de Espíritos enganadores que se aproveitam de sua exaltação para o fascinar.

As consequências que se podem tirar dos fenômenos so sonambulismo e do êxtase, mais do que uma iniciação à vida futura, é que, nesses casos, o homem vê a vida passada e a vida futura. Que estudemos esses fenômenos e neles encontraremos a solução de mais de um mistério que a razão procura inutilmente devassar. Quem estuda esses fenômenos de boa-fé e sem prevenções não pode ser materialista, nem ateu, de forma que são inconciliáveis com o materialismo.

7
A relação do fenômeno designado pelo nome de dupla vista com o sonho e o sonambulismo é que tudo isso é uma coisa só. No que chamamos "dupla vista", o Espírito ainda está mais livre, embora o corpo não esteja adormecido. A dupla vista é a vista da alma. É permanente enquanto faculdade, mas não como exercício. Nos mundos menos materiais que o nosso, os Espíritos se desprendem mais facilmente e se põem em comunicação apenas pelo pensamento, sem excluir, todavia, a linguagem articulada. É por isso que em tais mundos a dupla vista é uma faculdade permanente para a maioria de seus habitantes. Seu estado normal pode ser comparado ao de nossos sonâmbulos lúcidos, e esta é também a razão pela qual elas se nos manifestam mais facilmente do que os que estão encarnados em corpos mais grosseiros. 

A dupla vista se desenvolve espontaneamente, na maioria das vezes, mas não raro a vontade também desempenha importante papel. Se tomarmos como exemplo algumas dessas pessoas a quem se dá o nome de adivinhos, algumas das quais dotadas desta faculdade, veremos que é como o auxílio da própria vontade que entram no estado de dupla vista, ou naquilo que chamamos visão. A dupla vista, portanto é capaz de desenvolver-se pelo exercício; o trabalho conduz sempre ao progresso, dissipando o véu que encobre as coisas. Esta faculdade, certamente, tem alguma relação com a organização física, porquanto o organismo desempenha seu papel. Mas há organismos que lhe são refratários.

A dupla vista parece hereditária em certas famílias por semelhança na organização, que se transmite como as outras qualidades físicas. Depois a faculdade se desenvolve por uma espécie de educação, que também se transmite de um a outro. Também é verdade que certas circunstâncias desenvolvem a dupla vista. A moléstia, a proximidade do perigo, uma grande comoção, podem desenvolvê-la. às vezes o corpo vem a achar-se num estado especial que permite ao Espírito ver o que não podemos ver com os olhos do corpo. Porém, as pessoas dotadas de dupla vista nem sempre têm consciência de sua faculdade. Consideram isso perfeitamente natural e muitas creem que, se cada um se observasse melhor, todos veriam que sõ como elas.

Mesmo que se possa atribuir a uma espécie de dupla vista a perspicácia de certas pessoas que, sem nada terem de extraordinário, julgam as coisas com mais precisão do que as outras, é sempre a alma que irradia mais livremente e julga melhor do que sob o véu da matéria. Essa faculdade, em alguns casos, pode dar a presciência das coisas. Também dá os pressentimentos, pois há muitos graus nessa faculdade e o mesmo indivíduo pode ter todos os graus, ou apenas alguns. 

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