Música e mensagem - Dona da minha cabeça

Francisco Muniz
(publicado na revista Visão Espírita n. 20 - Março de 2000)

Dona da minha cabeça, ela vem com o carnaval
toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais
não há um porto seguro, futuro também não há
mas faz tanta diferença quando ela dança, dança
eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais

Dona da minha cabeça, quero tanto lhe ver chegar
quero saciar minha sede milhões de vezes, milhões de vezes
na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz
por isso nunca desapareça, nunca me esqueça
não te esqueço jamais

Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita

Uma vez que o que "faz" nossa cabeça é verdadeiramente a consciência, podemos entender que a "dona da min ha cabeça" de que fala a música de Geraldo Azevedo seja a conscientização a respeito de nós mesmos - e isto a Doutrina Espírita nos proporciona com grande excelência -, que surge quase sempre nos momentos de "carnaval", isto é, quando atravessamos mais momentos de turbulência que de alegria.
É então que, imersos em dúvidas, incertezas e, por vezes, em terrores e pesadelos, somos levados a nos confrontar com algo superior a nossa vontade, a nossos conceitos, à simples ideia do que seja a realidade, porquanto já não aceitamos a situação de verdadeira morbidade em que nos encontramos, com as emoções em desalinho, condição própria do paroxismo das paixões.
Assim, pois, a conscientização representa o instante em que nos damos conta de que ferimos as leis divinas, as leis que regulam a natureza, seja em nosso íntimo, seja fora de nós, e entendemos que se torna necessária a correção que nos beneficiará modificando essa condição anômala para nos fazer trilhar o caminho da felicidade novamente - eis, portanto, porque a conscientização "é bonita, é demais"...
Nas questões 619 e seguintes de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec faz perguntas acerca do conhecimento da lei natural, recebendo a informação de que todos os homens podem conhecê-la, embora bem poucos a compreendam, e que esse conhecimento é condição sine qua non para o progresso da Humanidade. Não se trata aí do progresso material, bem entendido.
Até a compreensão dessa lei, porém, ficamos como que levados ao sabor dos ventos e das correntezas, sem âncora, sem boia de salvação, sem abrigo ante a tempestade em que padecemos; assim, "não há um porto seguro, futuro também não há". Mas quando caímos em nós, conscientizando-nos finalmente de nossas fraquezas e potencialidades, ah! quanta diferença!
Está escrita na consciência de cada um a lei de Deus, conforme disseram os Espírito Superiores a Kardec (OLE, questão 621). Mas, devido a nossa incúria e ao entorpecimento de nossos sentidos espirituais frente às ilusões da matéria, nós nos esquecemos quase sempre de consultar a consciência e, qual fora um computador que armazenasse tais informações, esquecemos de acessar conhecimento tão importante. Por isso adquirimos conceitos e culturas que absolutamente não condizem com nossa condição espiritual e ao sermos confrontados com a verdade demoramos a reconhecê-la e a todo custo tentamos modificá-la segundo nosso canhestro entendimento; assim é que "eu digo e ela não acredita".
Em nosso estado de mendicância espiritual, ansiando pela luz do entendimento das verdades imorredouras, o que mais queremos é ver a chegada da "dona da minha cabeça", ou seja, o momento em que se nos iluminará a consciência. Como na imagem alegórica da luz no fim do túnel, essa iluminação só chega, porém, após caminharmos no escuro de nós mesmos, enfrentando os perigos do caminho.
Por outro lado, podemos acender uma lanterna que nos ajudará a chegar mais facilmente à luz maior; essa lanterna é o Evangelho de Jesus, melhor revelado através do conhecimento do Espiritismo, que, em suma, resgata a essência dos ensinos do Cristo de Deus. A simples leitura do Evangelho tem o poder de "saciar minha sede milhões de vezes". À luz do Espiritismo - doutrina de consolação e esclarecimento - refletimos que é "na força dessa beleza" que "eu sinto firmeza e paz" e, de posse de um novo estado de ânimo, em que a fé brota dos escombros deixados pela dor ou simplesmente da terra adubada pelo entendimento, reconhecemos a necessidade de enxergar a nós próprios não mais como antes, de um ponto de vista mesquinho e exclusivista, mas com largueza de visão, vendo-nos realmente como seres comprometidos com os planos de Deus em tornar este e outros mundos melhores, a começar de nós mesmos. E assim enxergamos a beleza, a justiça e a paz verdadeiras, das quais não queremos jamais nos separar.

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